Da Década!

House e a minha Mãe

Posted in tv by Tiago Lopes on julho 3, 2008

Difícil desviar a atenção da minha mãe dos enlatados da tv aberta, mas House conseguiu esse feito. Não só ela começou a se abastecer de um programa que parece ser feito por seres humanos de verdade (e não por focas amestradas que fazem óinc pra cada sentença que conseguem expelir) como eu ganhei uma stand-up não-intencional de primeira linha, que se manifesta a cada tentativa de diagnóstico da equipe do Doctor Gregory House. Funciona assim: durante um episódio que a minha mãe se dispõe a acompanhar, eu ganho, além do entretenimento da série, comentários cheios de perspicácia materna e humor involuntário. E consegui notar ainda uma evolução dos mesmos. Há uns seis anos, a pergunta unitária sempre proferida por mamãe diante de algo que me interessava era: “quem é do bem?”. O que já denotava uma inclinação da própria em torcer por alguma coisa, sem se preocupar no “porque” e confiando cegamente no meu julgamento. Poderia ter feito uma mãe de família torcer a favor da enchente, de “Enchente, Quem Salvará Nossos Filhos?“, alegando provação divina: “ó mamãe, a correnteza é que é do bem viu! Foi Jesus quem quis assim. Ele tá só testando a fé da crianças. Não é a toa que são todos membros da Igreja Batista, aqueles ixpertos que não acreditam no Espírito Santo. Bem feito!!”

E, de mais a mais, é importante achar algo em comum para partilhar com sua mamãe, se você ainda vive sob o teto da mesma e, nesta casa, os aparelhos de tv não atingem a pluralidade. Séries da HBO, todas fora de cogitação. Não dá pra chamar a sua mãe pra ver na hora do almoço The Sopranos ou The Wire (por mais que eu ache que o choque de certas cenas melhoraria o nível de humor involuntário, mas se esse não se sobrepusesse ao constragimento, capaz dela nem olhar na minha cara durante um dia inteiro) e, séries de comédia como 30 Rock e My Name is Earl só a deixam mais impaciente (porque ela não tem obrigação de entender todas as piadas referenciais e citações desse mundo muderno, logo, pra ela é inexplicável que, bem do seu lado, um homem comece a agir como uma hiena sem aviso prévio). House caiu no gosto materno porque: 1) mal-humor é universal; 2) medicina é o tipo de assunto que chama mais atenção de mãe do que filho dos outros caindo num poço; 3) não tem sexo nem depravação e 4) o House e o Wilson são good lookings e old enough para uma mamãe apreciar sem culpa.

Então, acompanhei quase toda a segunda temporada de House com a minha mãe do lado. Ela realmente se empolgava com as tentativas de diagnóstico e com o sangue aparecendo ocasionalmente e com minha virada de cara toda vez que alguém ia fazer uma punção lombar (tirar uma amostra da medula com uma agulha gigante, aguento assistir a nazistas comendo judeus no jantar, mas a imagem de uma agulha sendo injetada ainda me é mais perniciosa). E, o melhor, ela opinava sobre os diagnósticos e suas causas. Opinava e ainda procurava um exemplo parecido em sua árvore genealógica para maior aproximação com o drama da série. Se alguém definhava por mais da metade do episódio, mamãe citava todos os parentes e conhecidos que ela viu em semelhante situação. “Ahhh! A Miriãzinha, tava desse jeito lá no Iguatu, pouco antes de tu nascer minino…”, aí suspira e “ai, esse doutor é muito ruim mesmo, mas é tão bom né? Não errou uma até agora, mas precisa gritar com a pobre da menina? A menina de cama!! Isso não se faz não tiago…”. Pausa para comentários sobre a usual mentira proferida pelo paciente: “tá vendo tiago! quando você for no médico e ele perguntar se você fuma, não é pra ficar com vergonha de mim não que eu sei viu! É pra dizer que fuma, se não vai ficar aleijado que nem esse aí”.

Se o primeiro sintoma mostrado na tela for tosse e, por acaso, tossi minutos depois, ela me acusa de ser um possível portador de câncer. “Cadê os exames que tu ia marcar neguim (sim, é disso que ela carinhosamente me chama)? Não vai fazer com medo de agulha né? Vão descobrir um câncer e nem vai dar tempo de tratar, que nem esse aí. hehehehe (reprodução fiel da risada)”. Ninguém havia citado a possibilidade do doente portar um câncer, ela escolhe as doenças que o enfermo do dia carrega só pela expressão facial do mesmo, classificação puramente discriminatória (certa ela).

Mas o melhor mesmo são as convulsões. Ahhh, é onde a intersecção de nossos dramas favoritos acontece. Eu acho massa quando alguém entra em convulsão porque tudo fica desnecessariamente apocalíptico por meros 3 segundos e mamãe acha massa porque jura que o paciente está morrendo. Ninguém nunca morreu de convulsão em House, mas minha progenitora ainda é uma novata nos truques dos roteiristas da série e sempre entra em desespero quando, por exemplo, a mãe da menina loirinha entra em convulsão. “Tá morrendo! Vai deixar essa menina tão bonitinha com um tio tão mal…”, e segue se compadecendo até alguém aparecer com uma agulha gigante, enfiar no peito da condenada e o House soltar uma piada do tipo “I love the smell of pus in the morning, it smells like victory!”.

Rápida descrição de reações ao que consideramos o melhor episódio da segunda temporada (depois dos finais, óbvio): a menininha vivia isolada pela mãe super-protetora porque já havia passado por diversos tratamentos de doenças e recuperações de acidente. Vários diagnósticos errados depois, o House descobre que a causa de tudo é um carrapato (“tá vendo tiago? e essa gata daqui de casa vive cheia de pulga”) que ainda está pela superfície da guria e que, por isso, ela está correndo risco de morte. O House começa a caçar em todas as partes da menina, sem o consentimento da família e dos outros médicos e escondido dentro de um elevador e, quanto mais explorador de lugares imorais ele fica, mais perto da morte a menininha se encontra. Quando o elevador abre as portas e a família e quase toda a equipe médica veêm o House com a mão na crouch da menina, mamãe: “HAHAHAHAHAHA (representação realmente fiel da risada), esse House não presta mesmo”. E ainda não havia achado o carrapato quando o pai ia lhe descer uma bifa, adiando ainda mais o punch-line e alongando a tensão na minha sala. Carrapato em mão, frase esperta proferida – “See? Told you it’d be even more dramatic!” – e o ultimato da minha mãe: “esse House é um danado mesmo! Né que ele conseguiu neguim?!”. E a gente segue se divertindo.

Até ela cansar e dizer que bom mesmo, pra qualquer doença, é chá de boldo.

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