Da Década!

Dom Malícia

Posted in Literatura by Tiago Lopes on junho 6, 2019

Compreensão de malícia demanda experiência de vida, por isso Dom Casmurro é tão mais potente quando sorvido pós-30. É a malícia de José Dias sobre a relação até então infantil de Bento com Capitolina (Maria Capitolina!!!! q alcunha) que planta a ideia de paixão entre os dois na cabeça de Bento. É a malícia que dá corda pra essa história. A palavra “malícia” também ancora vários aforismos/citações potentes do livro:

“Lembravam-me episódios vagos e remotos, palavras, encontros e incidentes, tudo em que a minha cegueira não pôs malícia, e a que faltou o meu velho ciúme.”

“Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: «Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti.»”

A palavra “malícia” tá sempre próxima de “ciúme” nessas páginas, né? Né.

Daí que a outra coisa tão comum em Dom Casmurro quanto a ideia de sacanagem é a morte. Como o nosso narrador sobreviveu a quase todo o elenco (menos à Sancha, sempre “menos a Sancha” com esse livro, ela é o Quincas Borba de Dom Casmurro, uma personagem tão vital quanto transparente), ele nos conta como recebeu a notícia da morte de cada um deles. Lá pelo quinto final do livro, Bento já havia sido informado do óbito de seis pessoas. Outra contagem tão alta de defunto? Num Shakespeare, sempre tão citado por todo o Dom Casmurro. Só que a tragédia escrita por Machado de Assis aqui advém só do acaso e da passagem do tempo, sem gestos hiperdramáticos e ultraviolentos.

Acima dos motivos banais que provocaram mortes de pessoas tão próximas da origem da narrativa, há também o próprio descaso do narrador para com a grande maioria dos mortos. Relembrar a reação de Bento para cada morte é o melhor labirinto para chegar no centro da alma desse otário.

Se essas reações forem colocadas ao longo da escala que mede a empatia do Bento para com a morte de seus pares, com os extremos “não sentiu o baque” e “sentiu até demais”, a morte de Capitu tá na ponta do “não sentiu” e a do Escobar, bem, os dados não mentem:

Além da morte do Escobar ter ocupado a narrativa de Bento por 11 páginas (a de sua mãe ocupou duas; a de Capitu, duas linhas) também impulsionou a passagem mais surreal de Dom Casmurro, quando Bento abandona o carro saindo do enterro de Escobar para andar sozinho e organizar as ideias, vê um barbeiro tocando uma rabeca, para, o barbeiro se empolga com a atenção do Bento e ignora clientes para continuar tocando. A única morte próxima de Bento que ele tentou processar por completo – da presença no enterro, passando pela declamação de um discurso, até o pós-evento, num momento aparentemente banal e carregado de simbolismo – foi a do Escobar.

Quando se cruza essa passagem do livro, as insinuações entre os dois se concretizam por meio do processamento da perda. A outra parte genuinamente romântica da narrativa acontece na noite de núpcias de Bento e Capitu, um dos poucos trechos de ficção que conheço que consegue equilibrar tão bem um tesão óbvio dos personagens com a necessidade de manter a escrita gostosa & erudita. A memória carnal que Bento tinha de Capitu era a mais duradoura de sua relação com ela (os momentos mais romanceados entre os dois são todos carnais: o primeiro beijo, a primeira noite). Já a lembrança que Bento tem de Escobar possui fontes diversas, complexas, sempre sugeridas: o companheirismo constante, uma apalpada de músculos, apertos de mãos de cinco minutos, o fato da foto de Escobar (explorada numa descrição minuciosa) estar ao lado da foto de sua mãe, a quem Bento chama de santa, numa ligação indireta que Bento faz entre Escobar e o divino. Uhn.

Muita quaresma para pouco deserto

Posted in Literatura, Sem-categoria by Tiago Lopes on julho 4, 2016

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Na primeira entrevista da escritora Maria Valéria Rezende (MVR) divulgada depois de ter sido premiada com o Jabuti de melhor romance de 2015, ela aproveitou o megafone como alguém que não confia na eficácia da linguagem insípida de assessoria para vender um produto: “não aguentava mais livro de jovem jornalista frustrado porque não consegue terminar romance sobre jovem jornalista que quer ser escritor”. Em duas linhas, MVR esclareceu bem porque seu peixe é mais fresco do que o da concorrência: se distanciou de patotas, mostrou que se importa com algum planejamento narrativo e se impôs com uma rabissaca verbal de deixar os olhos do Kanye West brilhando.

O enredo do livro premiado, Quarenta Dias, é uma plataforma bem confiável dessas tamancas altas: a professora Alice é intimada pela filha, Norinha, a mudar-se de João Pessoa para Porto Alegre, onde Norinha planeja ter o bebê de seu marido sulista, promovendo sua mãe a avó e babá por tempo integral enquanto cuida da própria carreira. Alice resiste, Norinha joga sujo e sua mãe finalmente cruza o Trópico de Capricórnio com ela, munida de uma cara amarrada por nó de marinheiro e muito lamento pela rotina que deixou em João Pessoa.

Nesse cabo de guerra entre mãe e filha, a família é convocada a tomar partido, extraindo de Alice uma compreensão milagrosa de disputas consanguíneas e dando a Quarenta Dias seu primeiro impulso à grandeza. Como combustível extra, MVR expõe a narrativa em primeira pessoa por meio de um fluxo de consciência que ignora as convenções sintáticas para que as ansiedades de Alice saiam de sua cabeça para a do leitor quase inalteradamente.

Já em Porto Alegre, Norinha dá outra rasteira na mãe, mas a passividade de Alice impede Quarenta Dias de seguir pela promissora rota “Mildred Pierce no Brasil Profundo”: ao invés de sentar uma mãozada no juízo da filha, Alice se acovarda do confronto fugindo da própria casa para vagar a esmo pelas beiradas de Porto Alegre, usando como desculpa a busca pelo filho desaparecido da amiga de uma amiga de João Pessoa e iniciando a quaresma sinalizada no título. A partir daí, o livro segue a estrada cheia de curvas fechadas do romance de cunho social, e MVR e Alice derrapam em quase todas.

O tamanho físico do livro já denuncia o erro de MVR ao jogar Alice nas ruas por quarenta dias só para incitar paralelos com eventos bíblicos de igual duração (Jesus no deserto, israelitas seguindo para a Terra Prometida): depois de 3/4 do total de páginas, Alice ainda está no sexto dia de sua jornada. Se tivesse passado o quarto final em coma num hospital, suscitaria menos enfado do que a repetição da rotina que já havia estabelecido nos dias e páginas anteriores. MVR também ignora a necessidade de multidimensionar esses personagens marginalizados: a voz que ela quer dar aos marginalizados vira um grunhido distorcido graças à perspectiva estreita de sua protagonista.

Uma que chega a ser ofensiva: Alice está tão fascinada pela privação das famílias pobres e dos moradores de rua que encontra em sua peregrinação que chega a igualar a sua situação à deles, ignorando que eles não têm o privilégio que ela possui de cansar de brincar de sem-teto e voltar para casa quando quiser. Ela, que começa sua jornada como uma vítima dos abusos da filha, e uma que provoca empatia genuína, a termina como alguém que corre atrás de sofrimentos desnecessários para fugir de problemas solúveis, muito como os personagens dos escritores que MVR achincalha sem medo de ser barrada na porta da Mercearia. Ainda assim, Quarenta Dias tem toda a cara de ser o 808s & Heartbreak que precede o My Beautiful Dark Twisted Fantasy da literatura BR, só aguardar que logo mais a obra de MVR deve se erguer ao seu muito bem-vindo discurso.

Stendhal galhofa, Stendhal moleque

Posted in Literatura by Tiago Lopes on setembro 13, 2012

Stendhal, como muitos outros, é uma vítima da Gangue dos Acadêmicos de Monóculo. Formada por velhinhos carecas e tias de cabelo vermelho, a principal função da GAM é analisar, contextualizar e reanalisar à exaustão os clássicos, drenando qualquer força de atração que esses venham a ter sobre nós, pessoas comuns, que só queremos entretenimento superlativo em troca de uma travessia de centenas de páginas.

Exemplo: por causa da fama que a GAM deu a O Vermelho e o Negro, achava que Stendhal só escrevia parágrafos gigantes sobre as políticas inerentes às ações de Napoleão, ou seja, zero de ação. Com o lançamento da nova tradução de A Cartuxa de Parma (Penguim-Companhia, 616 páginas, R$ 35), veio uma imagem de capa muito convidativa e, escrito na contracapa, algo como “sequências de batalha que influenciaram de Tolstói a Hemingway”.

Dois sujeitos (e vítimas quase fatais da GAM) que escreviam sequências de guerra de um jeito tão realista que, se você estivesse lá, suas memórias não seriam tão acuradas quanto as descritas em Guerra e Paz e Por Quem os Sinos Dobram. E, se foi Stendhal quem influenciou a origem dessas, a GAM merecia corte marcial por tratá-lo de um jeito tão pedante.

A Cartuxa de Parma dá conta de toda a vida do nobre Fabrice del Dongo. Usando poucas páginas para falar sobre a sua educação durante a infância, o livro começa de verdade quando ele, com a arrogância ingênua característica dos 17 anos de idade, decide fugir da Itália para tentar se juntar ao exército de Napoleão, movido apenas pela vontade de participar de algum conflito armado e se provar como homem. Sem saber empunhar uma arma, entra sem querer no meio da Batalha de Waterloo, sem ter ideia de onde está, e acaba virando um paspalhão na mão de um bocado de aproveitadores.

É durante sua andança pelos campos dessa batalha que Stendhal descreve essas sequências que influenciaram as melhores passagens de guerra da literatura posteriormente. Sem narrar um conflito maior, ele detalha apenas eventos isolados, testemunhados diretamente por Fabrice. Uns são bem violentos (como um cavalo ferido esfregando as fuças nas próprias tripas), outros de suspense bem construído, como quando Fabrice precisa aprender a usar uma arma em segundos para não ser morto. Mas a maior parte desses eventos são cômicos, de gerar gargalhadas constrangedoras, já que o “nosso herói” (como Stendhal costuma chamá-lo) insiste em querer ser tratado como um nobre mimado.

Quando a batalha termina (Fabrice só descobre num jornal velho, dias depois, que participou do conflito mais importante do século XIX, enquanto procurava irritantemente por uma boa desculpa para ser macho e matar a esmo), Stendhal deixa claro que essa passagem era só um mote menor para justificar os muitos infortúnios que seu herói ainda iria viver. A Batalha de Waterloo ocupa só um quinto das mais de 600 páginas de As Cartuxas de Parma. O que vem depois é o melhor em futrica de cidade de interior, pegação desenfreada, duelos pela manutenção da honra e as consequências deprimentes de todos esses excessos.

Por ter lutado do lado dos franceses, com a derrota de Napoleão, Fabrice vira persona non grata em sua cidade natal, Parma, na Itália. Sua tia, a duquesa Sanseverina, desenvolve um amor meio incestuoso pelo sobrinho. Com seu marido, o Conde Mosca, traçam um plano para garantir um bom futuro para o herói. Enviam o jovem para Nápoles, para que ele dê início a sua formação de arcebispo. Fabrice, enquanto tenta seguir carreira religiosa, procura seu “grande amor” na base do empirismo: testa todas as mulheres que quer e espera que o sentimento nobre nasça. Quando não acontece, ele parte para outra.

Todos os problemas que Fabrice arranja até o seu último dia de vida são consequências dessas investidas em mulheres comprometidas. Sua tia assume a responsabilidade de aliviar as punições que ele sofre, usando da influência em constante declínio que possui na cidade. Em um certo ponto, esse cabo de guerra da duquesa com as autoridades locais vira quase um livro paralelo, do qual Fabrice pouco ou nada sabe, mesmo quando se torna figura central de um embate de poder entre os carreiristas mais mesquinhos da cidade.

Stendhal usa esse paralelo como brecha para dizer o que tinha que dizer sobre a política da Itália e da França pós-ocupação napoleônica. Uma pena que a GAM só sublinhe o aspecto menor do livro. Por mais que tivesse algo a dizer sobre o *estado das coisas*, é óbvia a sua intenção de diluir observações sérias em uma trama altamente galhofeira. No final, o que fica com o leitor é uma profunda sensação de entretenimento, não a lembrança de um tratado sobre política sofisticadíssimo. Se tomarmos Fabrice como exemplo, até mesmo na literatura, é sempre bom ficar alheio aos aspectos mais sérios dos acontecimentos.

“É sempre melhor sair da festa antes do fim”

Posted in Literatura by Tiago Lopes on julho 5, 2012

O melhor mesmo em toda a biografia de Bill Watterson está nesse rápido resumo: durante cinco anos, seu trabalho foi inteiramente recusado por diversos sindicatos; no auge da fama, decidiu escrever sua última tira e, até hoje, essa decisão não foi revogada.

Bill Watterson, que hoje completa 54 anos, tratava suas crias como forma de arte e tinha certeza absoluta que o valor desse tipo de coisa não pode ser agregado a um pijama ou a um parachoque de carro. Mesmo os alvos de sua admiração tendo feito muito dinheiro com o comércio de licenciamento de produtos a partir de suas crias (Schulz ePeanuts, por exemplo), ele não se dobrou quando as pressões vinham de todos os lados.

Preferiu, no último dia do ano de 1995, parar de publicar depois de quase 10 anos unanimemente bem sucedidos, à sua maneira. Mas, antes disso, discutiu com quase todos os sindicatos de cartunistas que se dobravam às exigências flutuantes dos jornais, responsáveis pela publicação dos trabalhos de seus associados.

Restrições do espaço onde as tiras eram publicadas e irritantes pedidos de ursinhos de seus personagens e camisas e cuecas sendo estampados pelos mesmos foram as causas maiores de esbravejamentos a favor da integridade do seu trabalho. Ele manteve uma atitude tão coerente sobre isso, que deixou de autografar os seus livros vendidos em uma livraria da família, depois que descobriu que os parentes estavam vendendo esses exemplares por preços mais altos na internet.

À medida que seu público crescia, mais vozes se juntavam ao coro de quem não se contentava só com a tira, querendo algo mais físico para ostentar um falso sentimento de apreciação desmedida. Esses malditos só aumentaram a ira e o sentimento de reclusão em Bill Watterson, que não só pôs um fim em seu trabalho, como vive em quase completa reclusão midiática desde então.

De acordo com a Wikipedia (se precisarem de uma fonte mais confiável, boa sorte em procurar o cartunista), Watterson fez apenas cinco aparições na mídia até hoje, desde que parou de publicar novas tiras de Calvin and Hobbes: em 1999, 2005, 2007, 2008 e 2010, para falar ou de Charles Schulz (criador de Peanuts, de quem Watterson é fã ardoroso), ou do fim do seu trabalho mais famoso ou do cartunista Richard Thompson, autor da tira Cul de Sac.

Na última entrevista que deu, explicou que a decisão de parar de criar novas tiras de Calvin and Hobbes foi puramente criativa. “É sempre melhor sair da festa antes do fim”, disse, prevendo que, se continuasse, iria se tornar um rascunho de si mesmo e que os próprios fãs que idolatram sua obra hoje estariam desejando a sua morte.

Ocasionalmente, ele deve topar com um adesivo que mostra o um Calvin com cara de mau em atos despidos de pudor e suspira de alívio, imaginando o estrago desproporcionalmente maior, caso tivesse dito “sim” para o consumo de coisas que ficam bem melhor assim, só em desenhos:

Posted in Literatura by Tiago Lopes on setembro 23, 2011

Tô obedecendo a uma linha editorial agora, ó só:

http://vip.abril.com.br/blogs/substantivo-masculino/2011/09/23/vikings/

Posted in Literatura by Tiago Lopes on junho 3, 2011

“Let me have war, say I. It exceeds peace as far as day does night. It’s sprightly walking, audible, and full of vent. Peace is a very apoplexy, lethargy; mulled, deaf, sleepy, insensible; a getter of more bastard children than war’s a destroyer of men.”

-de um coadjuvante em Coriolanus.

Quero comprar um busto do Shakespeare pra tacar um chêro na testa dele sempre que topar com essas coisas.

Trifecta de FUN

Posted in Cinema, Literatura by Tiago Lopes on maio 23, 2011

1) Comecei a rever todos os filmes do Shyamalan, porque percebi que só vi a maioria deles apenas uma vez e há uns anos atrás. O que não é certo quando se quer defender algo que, pra tanta gente, parece frágil, e você lá, com mais umas pessoinhas, dizendo que não é bem assim. Com isso quero ou renovar e melhorar meus argumentos ou efetivamente salvar de vez o que merece ser salvo e deixar o resto pra discussões em que eu não irei me envolver. Nunca vi o do guri careca que solta fogo, não sei se quero. Começando por…

The Sixth Sense: Um drama sobre single ladies, e um dos mais deprimentes sobre. Uma viúva e uma mãe solteira, entre elas, o marido morto e o filho que vê gente morta. O roteiro foi construído em cima dessas 4 personagens de um jeito tão exato, quase matemático. Tudo o que está de um lado do sinal de (=) influencia imediatamente no outro, caso sofra alguma alteração. A mãe precisa que o seu filho se comporte melhor socialmente para que sua responsabilidade sobre ele seja menos sofrida. O marido precisa liberar a viúva do seu luto. O filho só fica menos problemático se aprender a lidar com os fantasmas. O marido só vai saber o que tem que fazer quando tomar consciência do que é. Se contabilizados, os sustos não vão além de uns três ou quatro. Já os momentos de confronto das mulheres com seus problemas maiores ocupam quase todo o filme. Vide os vários diálogos da mãe tentando ser compreensiva com os problemas do seu filho e da viúva compensando a saudade ao rever diversas vezes o vídeo do seu casamento e relutando ceder a investidas de outros. Continua tremendamente calmo e bonito. Só acho que o twist foi revelado de uma maneira muito mais óbvia do que a sutileza geral do filme deveria permitir, provocando uma desigualdade de tratamento ao longo dos cinco minutos finais, quando aparecem desnecessários flashbacks e o volume da trilha sonora é aumentado consideravelmente. Sem os dois, seria apenas o Bruce Willis tocando na mancha de sangue e o público associando imediatamente às feridas mostradas em todos os outros fantasmas.

Comento mais à medida em que for vendo. Se alguém de exemplar caráter completista assistiu The Last Airbender, diz aí: a graça do filme toda tá só naquele primeiro (e sensacional) teaser?

2) Quero fazer sweet love com a Holly Hunter de Broadcast News. Se ela recusar, quero fazer sweet love com seu sotaque. E os créditos desse filme deveriam ser assim: Escrito e dirigido pelo espírito Billy Wilder, psicografado por James L. Brooks. No melhor sentido possível. Seguem algumas linhas:

*Wouldn’t it be great if insecurity and desperation made us more attractive? If needy were a turn-on?

*- I started thinking about the one thing that makes me feel good and makes immediate sense and it’s you.

  – Oh, bubba

  – I’m going to stop right now. Except I wish you were two people. I’d tell the one who’s my friend about the one that I like so much.

*O Albert Brooks grita bastante, acusando o William Hurt de ser o demônio, pra fazer com que a Holly Hunter desista de se encontrar com ele. E grita e grita e finaliza com isso: “And I’m in love with you. How do you like that? I buried the lead”.

3) Huckleberry Finn é o melhor filme que os Coen ainda estão por fazer. Como nunca vai acontecer, é fácil dizer que essas cinco horas imparáveis finalmente afastariam Citizen Kane do topo.

Mattia Pascal

Posted in Literatura by Tiago Lopes on outubro 20, 2010

A esposa de Luigi Pirandello ficou louca quando descobriu que as minas de enxofre em que o dinheiro do seu sogro e do seu dote foi investido sofreram uma inundação. Quando ela abriu a carta que anunciou a catástrofe, o baque foi tão grande que seu equilíbrio mental foi irreversivelmente afetado. A biografia do escritor italiano também lembra que foi durante esse período, início do século XX, de irreparável prejuízo material e pessoal, que ele começou a escrever O Falecido Mattia Pascal.

Essa contextualização potencializa os efeitos do livro em ao menos duas vertentes imediatas. 1) o leitor, ao saber que o escritor também experimentava um profundo período de solidão enquanto criava um livro que basicamente tenta justificar os benefícios de tal estado, se relaciona imediatamente com a tragédia que originou a obra, que agora ultrapassa o campo da ficção para ser uma autobiografia disfarçada de parábola. 2) O que parecia uma interpretação óbvia (todo o livro é uma tentativa espetacular de fazer uma manobra impossível –>mapear as implicações que o seu suicídio terá na vida de outros<–) passa a ser um fato incontestável.

Mattia Pascal morreu duas vezes ao longo do romance, e ele alerta o leitor – a quem fala diretamente – da sua condição logo no prólogo. Antes de morrer pela primeira vez, Mattia levava uma vida bem movimentada. Ele casa, mas não com a mulher do seu primeiro filho, gerado em condições ilegais. Sua prole legítima morre assim que nasce. Sua sogra não só o destrata, como também à sua mãe. As primeiras 100 páginas de Mattia Pascal transcendem os clichês que o termo “italianada” carrega: o barulho do que é narrado fica como um zunido, depois de uma leitura atenta.

Pascal foge de tudo isso e, antes de retomar sua vida, se encontra na situação que todos que já consideraram o suicídio pensam em estar, porque é a única que pode transformar instantaneamente um suicida em um crédulo maior dos benefícios da vida antes de atentar contra a própria: morto para os seus conhecidos e com uma quantidade decente de dinheiro para começar a vida em outro lugar*.

A partir daí, o livro segue, até o final, em um outro ritmo, cheio de picos e depressões que nunca alcançam empolgação ou tristeza genuínos, porque Pascal não se permite viver, enquanto consciente do seu falecimento. No momento em que ele percebe a sua nova condição, dentro de um trem, a sensação é a que deveria ter sido narrada por Brás Cubas, caso fosse menos cínico quanto ao seu estado: a de um vazio profundo. Se essa é a primeira noção da morte que temos quando começamos a pensar no assunto, Pirandello dá um jeito de torná-la ainda mais duradoura, quando mostra como ela é sentida por alguém que está vivo, mas que possui consciência de que a sua finitude já se venceu para todas as pessoas que, conhecendo-o, poderiam atestar a sua existência.

Voltando à vida do Pirandello, é incrível perceber como a escrita de Mattia Pascal funcionou para ele, ao mesmo tempo, como um escapismo, como uma alternativa em construção de uma necessária nova fonte de renda e como auto-análise ininterrupta, se saindo perfeitamente bem nos três objetivos. Apesar de tudo, o livro é bem engraçado e fez bastante sucesso logo quando foi lançado. Quanto à análise, essa acaba sendo um dos elogios mais bonitos já feitos à vida ordinária. Para Pirandello, se você consegue abandonar por completo o meio para o qual progrediu naturalmente desde a sua infância, através de circunstâncias extraordinárias, não vai sobrar muito para manter uma vontade de viver plenamente. O que fica depois é só uma emulação rasa de tudo o que aconteceu antes, e isso vai ter que ser o suficiente, porque você ainda tem que dar atenção a uma consciência inquieta. É pouco e, depois que acontece, irreversível.

Quando Mattia procura retomar a sua vida, vê que todos fizeram exatamente o que ele fez: continuaram vivendo depois do seu falecimento, descontado o devido período de luto. Mas ele não percebe isso e limita-se a reinstalar-se na sua cidade, escrever as suas memórias e visitar seu túmulo regularmente, como um fantasma trainee.

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*Li uma edição da Abril Cultural de 1978, traduzida por Mário Silva, onde, ao fim do livro, há um texto chamado “Advertência Sobre os Escrúpulos da Fantasia”, escrito por Pirandello mais de uma década depois da publicação da primeira edição de Mattia Pascal. Na nota, ele reclama que alguns críticos citaram a inverossimilhança da história como um dos principais problemas da mesma. Pirandello rebate dizendo que “as absurdidades da vida não precisam parecer verossímeis, porque são verdadeiras”. Aí vem o impressionante: ele usa como exemplo uma matéria do Corriere della Sera de 27 de março de 1920, que conta exatamente o mesmo caso do homem que foi dado como morto, teve o seu cadáver reconhecido pela esposa, que se casou posteriormente para, anos depois, ser confrontada pelo seu ex-marido. Essa parte da inverossimilhança não precisava de antecedente live action para se justificar na literatura. Acho que os críticos não se importaram tanto com o mote principal, mas sim com alguns desdobramentos, como a parte em que o Mattia Pascal ganha muito dinheiro. Claro que era necessário para que o personagem pudesse aproveitar sem amarras a situação de morrer sem se suicidar, mas ainda assim…

alive, barely kicking

Posted in Literatura by Tiago Lopes on março 22, 2010

Ontem comprei um livro do qual eu nunca tinha ouvido falar, nem do título, nem do autor. Se já, não lembro onde. O livro é The Way We Live Now, de Anthony Trollope. Na contra-capa, está escrito “money marketing” e “marriage”. Como o livro foi publicado no final do século XIX, depreende-se que essas expressões queiram dizer “gambling” e “mistress”. Interrompi a procura por outros livros e fui marchando atleticamente ao caixa garantir que essa única edição disponível na loja servisse ao meu entretenimento em dias vindouros. Nunca um livro escrito no séc. XIX me decepcionou, especialmente os que expõem temáticas tão atemporais e universais como as sutilmente citadas, que falam ao coração de todo homem.

Posted in Literatura by Tiago Lopes on novembro 2, 2009

Aqui apunhalou o bem-amado Brútus e, quando ele puxou a maldita lâmina de volta, observem como o sangue de César correu atrás, como saindo às pressas de casa para a rua, para verificar se Brútus havia mesmo batido à porta de modo tão desumano“.

Só isso aí coloca todo o resto da produção dos outros em um local que nem vale tanto o esforço de chegar e conhecer. Ainda assim a gente vai, passeia pelos cômodos, sente algum conforto. Mas nunca num mesmo nível provocado por esse itálico e seus pares.